quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Encontro Doppler

Primeiro a ânsia, a curiosidade,

a espera.

A espera dos dias.

As horas de espera.

A sala de espera.

Como se pode ter saudades de quem não se conheceu?



Tic-tac-tic-tac-tic-tac



No silêncio enternetecido o eco de um som,

rápido e repetido.

Coração de pássaro,

pulsar da Terra.



Tic-tieu-tic-tieu-tic-teu



Todo o tempo liquefeito,

os segundos transmudados

por aquele diapasão:



Tieu-tieu-tieu-tieu-tieu-tieu



E naquele ritmo fugaz , escondido espreita

o próprio sentido da eternidade.





P.S. - Este poema é obviamente uma derivação do anterior "À espera". Foi escrito a pensar numa amiga, que está de esperanças, a propósito da sua primeira ecografia. A base de que parti foi a minha própria experiência de estar grávido, e em particular o som que aqui se pode ouvir. Este som ficou para sempre marcado em mim, de tal forma que basta invocá-lo à memória para imediatamente o ouvir. O primeiro som de um filho. Obviamente, como se pode ouvir no vídeo, a primeira frase deste texto foi composta naquele dia: coração de passarinho.
Normalmente gosto de de simplificar os meus textos: o normal será que perca progressivamente expressões, que apure conceitos, que lime arestas que depure.
Mas neste caso não estava inteiramente satisfeito. Curiosamente, quanto mais alterava o texto mais tinha pena de perder o anterior. Por isso ficam os dois.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Á espera.

No silêncio enternetecido o eco de um som,
rápido e repetido.
Coração de pássaro.

Quem disse que a eternidade
se media em tic-tac?

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Autêntica magia.

O mago foi à janela consultar os astros: de um lado o sol aproximava-se da linha do horizonte, as nuvens coloriam-se de luz, o céu escurecia, dando relevo à primeira lua, enorme, cheia e amarela. Vénus, altaneiro, anunciava as estrelas, ainda veladas. Bandos de pássaros inundavam o ar em revoadas de chilreios.Sinais auspiciosos: estava um fim de tarde mágico.O mago desligou a luz do escritório e foi para casa.Chegou antes da sua mulher e das crianças. Foi para a cozinha e com uma varinha em forma de colher, alguns alimentos, um pequeno caldeirão ao lume e um pouco de magia, preparou o jantar.Daí a pouco chegava a feiticeira , com as crianças. Com alguns gestos de todos, como por magia, a mesa estava posta, os pratos servidos, todos à mesa comendo e conversando.A poção que ele preparara estava deliciosa e todos conheciam os seus poderes medicinais. Também o prato principal exibia os apurados filtros em que fora preparado.Para ajudar as crianças a comer, a maga tirou de uma velha cartola vários coelhos, com os quais contou uma história.Depois, claro, maçãs vermelhas, naturalmente propensas a feitiços de adormecer, e as crianças subitamente cheias de sono: fora um dia tão cheio! Enquanto a feiticeira lança feitiços de limpeza e arrumação na sala de jantar e na cozinha, o mago levita as crianças para o quarto. Com um gesto, fiat lux! Com outro as crianças deitam-se. Então ele aponta o foco de luz para a parede e começa alguns passes da sua melhor magia: algumas fórmulas mágicas, alguns gestos estudados e sobre a parede as sombras das suas mãos ganham vida, sob a forma dos mais diversos bichos. Ele conta a sua história e consegue, às vezes, o encantamento do riso, por vezes, o feitiço da imaginação.Quando termina as crianças continuam ainda com as próprias mãos, imaginando novos passes, novas criaturas, novos enredos.O mago deixa a luz ainda um pouco, para que possam contunar o seu exercício de aprendizes de feitiçaria. Afinal a magia não se aprende num dia e eles têm tanta capacidade...O casal de feiticeiros sabe que outras magias disputam a sua, que outros lançam feitiços mais longe, maiores, mais vistosos. Mas nem toda a magia é igual e eles têm muita esperança nestas crianças. Elas mostram ter poderes extraordinários! Um dos seus melhores feitiços atinge-os aos dois em cheio no coração quando vão tapar os pequenos aprendizes adormecidos e um deles suspira no sono: o seu coração cresce, cresce tanto que inunda todo o mundo de uma luz especial, de uma felicidade imensa.Como é possível - perguntam-se - que um suspiro adormecido contenha tanta magia?

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O dia das tartarugas do meu filho.

Ca-ma-rão. Tudo o mais é digestão.